quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Manifesto Norte Júnior - Que não se perca o Norte!

A História vive nas ruas e dá a cara nas fachadas dos prédios. Os homens que transformaram a imaginação em realidade são pais de um trabalho que se perpetua no tempo, ao ar livre, aguentando intempéries e todas as sortes.
As ruas de Lisboa têm várias cicatrizes NJ, que se manterão até que os poderes públicos e privados assim o consintam.
Frequentemente, esquecemo-nos que um prédio é uma edição de um só exemplar, irrepetível, e quando vai abaixo, entulha-se a História, da cidade, da arquitectura, do arquitecto, a nossa História.
Quem nos legitimou para apagar a História?
Os edifícios são irreproduzíveis e a memória não os consegue plagiar para que transportemos a riqueza acumulada de geração em geração.
Vivem entre nós pessoas magistrais, como Norte Júnior, temos o prazer de conviver com o seu trabalho, que faz História, admiramo-lo, aplaudimo-lo e deixamos que seja demolido!
Os interiores são obras de arte divinas, na medida em que funcionam como um corpo humano, com órgãos, tecidos, ossos. Os interiores projectados por Norte Júnior conjugam o calor das madeiras, a intemporalidade da pedra, a força do ferro, a estrutura do betão, a luz dos vitrais, a beleza da pintura, o delicado do estuque; têm o toque de Deus, como dizia van der Rohe, na profusão dos detalhes.
Não interessa, é demolido na mesma!
É o progresso, dizem. Mas o progresso não trouxe conhecimento técnico, e científico, e histórico, e tecnológico? O progresso não aumentou a visão de conjunto? E trouxe vontade…?
Insurgimo-nos contra a devastação do património na Síria, face à guerra: de que nos serve a paz se não existe bom senso?
Se o futuro não contiver as pagadas geodésicas do passado será um espaço vazio, pobre e infeliz.
Mantenha-se o edifício da Avenida da República, 55 e que não se perca o Norte!

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Eu gosto é do Verão...

Dizem que os fiordes são lindos de se verem. Acredito, mas nunca vi estas impressionantes formações naturais do planeta; também nunca vi o sol da meia-noite, embora já tenha andado pelas ruas à meia-noite sem ser necessário acender qualquer luz, no círculo polar ártico.
As línguas, tão saborosamente diferentes, como se fosse uma música nova que estamos a ouvir; a gastronomia, os costumes, a roupa, as casas, um tudo enorme de que me lembro nestes dias chuvosos em que não é sequer Inverno.
As dores de cabeça são frequentes neste ambiente quente e húmido, qual Macau à beira do Tejo que se deixa cair no mar.
Decididamente não gostaria de viver num local onde os dias são pequenos e a escuridão anda sempre a espreitar, numa espécie de brincadeira com um frio danado.
No entanto há quem viva nestes locais e adore. Penso também que, com a minha capacidade de adaptação, me adaptaria a qualquer sítio... desde que houvesse praia, penso logo a seguir...
Nada disso! Quero afastar este preconceito metereológico-geográfico e pensar que podia viver em qualquer local do mundo. Sim, eu sou capaz!
Quero acreditar nisto, mas olho pela janela, vejo a noite a aproximar-se às quatro da tarde e, instintivamente, entristeço. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Opilca, precisa-se!

O casaco verde alfaçado faz-me reparar na mulher que vai sentada um banco ao lado no metro. É giríssimo e fica mesmo bem em cima do vestido branco, leve, que transporta o Verão.
Só quando nos levantamos para sair na última paragem é que reparo que leva um braço ao peito, o que não a impede de desatar a correr pelas escadas acima, mala pendurada no braço bom, passar pelas cancelas e... estatelar-se ao comprido no chão.
A queda foi aparatosa, toda ela a escorregar um bom par de metros como se brincasse na neve, pernas no ar a deixar ver o fio dental e aquilo que parecia a Mata do Bussaco!
Os gritos eram genuínos, as lágrimas corriam-lhe pela cara, o braço queixava-se. A mão do braço bom no chão ajudou-a a levantar-se, tendo primeiro ficado de gatas, a saia do vestido em cima das costas.
Várias foram as pessoas que a ajudaram, todas sem conseguirem conter os lábios, que teimavam em abrir-se num sorriso, eu incluída.
Não há volta a dar, estas situações são sempre gregas, trágico-cómicas, tão dolorosas física como psicologicamente. 

Uma gargalhada com vinte anos

Uma desilusão no início de um fim-de-semana passado com uma pessoa muito especial.
Uma grande expectativa que não foi concretizada, mas que não abalou os dias que a M., o marido e o filho passaram na minha casa.
Quando se foram embora deixaram-me cansada... cansada de rir, cansada de conversar, cansada de boa-disposição... quem não gosta de estar assim cansada?
Anseio por lhe devolver a visita e voltarmos a rir juntas, coisa que fazemos há vinte anos.
Não é para qualquer um e eu sinto-me afortunada com esta amizade.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Zoom

Ontem à noite jantei fora de casa.
A caminho do restaurante para onde me convidaram, sem chuva, com o mar a ladear a estrada, os relâmpagos iluminavam-me o caminho.
Apesar de ligeiramente atrasada, desacelerei para poder captar aquele instante tão rápido do clarão reflectido na água, como se alguém no céu me estivesse a fotografar.
Estava tão feliz que devo ter ficado mesmo bem no retrato!

Depois da tempestade vem o Arco-íris

Somewhere over the rainbow
Way up high
And the dreams that you dreamed of
Once in a lullaby

Somewhere over the rainbow
Blue birds fly
And the dreams that you dreamed of
Dreams really do come true ooh oh

Someday I'll wish upon a star
Wake up where the clouds are far behind me
Where trouble melts like lemon drops
High above the chimney tops
That's where you'll find me

Oh, somewhere over the rainbow bluebirds fly
And the dream that you dare to,
Oh why, oh why can't I?

Well I see trees of green and red roses too,
I'll watch them bloom for me and you
And I think to myself
What a wonderful world

Well I see skies of blue
And I see clouds of white
And the brightness of day
I like the dark
And I think to myself
What a wonderful world

The colors of the rainbow so pretty in the sky
Are also on the faces of people passing by
I see friends shaking hands
Saying, "How do you do?"
They're really saying, I...I love you

I hear babies cry and I watch them grow,
They'll learn much more than we'll know
And I think to myself
What a wonderful world world

Someday I'll wish upon a star,
Wake up where the clouds are far behind me
Where trouble melts like lemon drops
High above the chimney top
That's where you'll find me

Oh, somewhere over the rainbow way up high
And the dream that you dare to, why, oh why can't I?
I?

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Viva o Facebook!

Chovem picaretas em Lisboa durante duas horas.
O local onde trabalho alaga-se e eu alugo um par de galochas, sabendo que não vou sair daqui tão cedo e na expectativa que, quando vá embora, a tormenta tenha levantado. São os riscos do empreendedorismo!
A luz falta, onde há minutos estava uma estrada há agora um novo rio, não lhe conheço o nome, mas é dos grandes, primo do Tejo, por aí.
Urge procurar informações sobre a cidade, para dar resposta a duas pessoas que se deviam encontrar hoje comigo e que vêm do outro lado de Lisboa. Peço a uma colega que me pesquise a coisa e me mande os resultados para o mail. Em cinco minutos sou inundada - para fazer padan - por links. Links das Notícias ao Minuto? Dos Bombeiros Sapadores de Lisboa? Da protecção civil? Da Câmara?
Não, todos do Facebook. Imagens e vídeos de todas as qualidades e feitios com um denominador comum: muita água a correr pelas ruas.
Com um sorriso e o pensamento que devia ter feito a pesquisa sozinha, lá entro no site dos Bombeiros e vejo a localização das quase duas dezenas de locais muito complicados com inundações e adio as reuniões para amanhã.
Conclusão, o facebook é grande!

Aquele senhor alemão

Tenho ouvido falar de certos grupos musicais que têm como característica entrarem em palco sempre de maneira diferente. Lembro-me deles a propósito da minha muito querida mãe, cujo ar é de moça, mas a idade e as doenças pesam nos actos, nos gestos e nas respostas.
Ligo-lhes todas as santas noites e, sabendo que não estão bem, também de manhã. É o caso, sábado foi passado pouco alegremente no hospital com o meu pai, já estamos habituados.
Como são surdos e ouvem televisão muito alto, quando o telefone toca, por norma, é ela que atende enquanto vai pedindo ao meu pai que baixe o som. É aqui que revela uma imaginação sem par, qual Salvador Martinha, qual César Mourão, qual Rui Unas, qual Sal.
É na linha de Sintra que vive uma senhora que atende o telefone sempre de maneira diferente e que, para pedir para baixar o som da televisão, já pediu ao meu pai, e eu a ouvir:
Baixa a torneira
Carrega no autoclismo
Põe isso mais claro
Põe a televisão menos ligada
Ontem foi particularmente cómico, quando a ouvi dizer:
Põe a televisão mais barata!
Ainda estamos numa fase em que o riso prevalece, e tentamos rir todos, ela incluída, pois dá conta dos disparates que diz.
Rezo para que esta fase se prolongue por muito, muito tempo...

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A praga

Começo a pensar se não será uma praga que me rogaram...
Desde há uma semana que ando doente, tudo o que como vomito, já não posso ver canja nem ouvir histórias com pintaínhos.
Não sei quanto tempo duraram as pragas do Egipto, mas sinto-me solidária com aquela gente.
A uma semana com má disposição some-se canadas de água que vêm sem aviso e nos deixam com ar de bacalhaus demolhados, como diz Miguel Esteves Cardoso.
Sempre com calores - estou na menopausa desde que nasci - tomo duche de manhã ao levantar, quando chego a casa, antes de me deitar e, em algumas noites, a meio da noite. Temo pela conta da água, não sei se a conseguirei pagar.
Fiz a ruptura de ligamentos a 28 de Julho e tenho estado sempre com uma maleita qualquer. Espero que isto seja suficiente para pagar a conta das doenças nos próximos dez anos.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Óbvio, cara mãe!

O meu sobrinho mais novo, na sua voz de dois anos a caminho dos três, pergunta à mãe do que são os óculos que alguém lhe ofereceu e que ele usa, transformando a realidade um pouco mais escura.
A mãe semicerra os olhos e diz que são óculos de aventureiro!
Ele reclama e volta a perguntar de que são os óculos!
A mãe inicia um ciclo de possíveis respostas:
De plástico, de ver, de menino bonito, de príncipe, de...
Ele, já amuado e sempre a dizer não, esclarece:
- São óculos de sol!

Há modas que não passam de moda

Save the last dance for me

You can dance-every dance with the guy
Who gives you the eye,let him hold you tight
You can smile-every smile for the man
Who held your hand neath the pale moon light
But don't forget who's takin' you home
And in whose arms you're gonna be
So darlin' save the last dance for me

Oh I know that the music's fine
Like sparklin' wine, go and have your fun
Laugh and sing, but while we're apart
Don't give your heart to anyone
But don't forget who's takin' you home
And in whose arms you're gonna be
So darlin' save the last dance for me

Baby don't you know I love you so
Can't you feel it when we touch
I will never, never let you go
I love you oh so much

You can dance, go and carry on
Till the night is gone
And it's time to go
If he asks if you're all alone
Can he walk you home,you must tell him no
'Cause don't forget who's taking you home
And in whose arms you're gonna be
Save the last dance for me

Oh I know that the music's fine
Like sparklin' wine, go and have your fun
Laugh and sing, but while we're apart
Don't give your heart to anyone

And don't forget who's takin' you home
And in whose arms you're gonna be
So darling,save the last dance for me

So don't forget who's taking you home
Or in whose arms you're gonna be
So darling, Save the last dance for me

Oh baby won't you save the last dance for me
Oh baby won't you promise that you'll save,
The last dance for me
Save the last dance, the very last dance for me.

Autoria de Doc Pomus e Mort Shuman

Mikis Theodorakis

A inconfundível música de Zorba, o grego, foi escrita por este homem, que tem um currículo musical invejável.
A descobrir.

Projecto X

Detestando filmes de terror, vi um recentemente que me deixou com os cabelos em pé. São novas formas de terror que também paralisam e assustam à séria: a inexistência de limites por parte dos mais jovens.
O filme conta a história de três amigos que organizam uma festa na casa de um deles, mas com receio de não terem aderentes, massificam os convites.
Afinal aparecem os que foram convidados e outros tantos, a ausência dos pais é compensada pela presença de álcool e drogas, a casa acaba destruída e incendiada.
A facilidade com que se chega aqui é assustadora, pois qualquer miúdo de dez anos tem nas mãos os meios suficientes para reproduzir uma coisa assim.
Sugere-se vivamente a visualização do filme, para se perceber que a parvoíce não tem limites e qualquer um pode ser arrastado para dentro das suas consequências.

Bairro de lata

Num olhar mais atento percebe-se que é quarentona. 
Esbelta e muito bonita, elegante no vestir, com classe até, senta-se diante de mim, de telemóvel na mão a marcar um número.
A classe evapora-se quando começa a falar: partilha a conversa com todos os túneis do metro de Lisboa e perfura tímpanos das pessoas mais próximas. 
O conteúdo da conversa perfura mais que os tímpanos.
Fala com a filha a quem explica que não pode ir dormir a casa porque vai ser operada na manhã seguinte; fala com a mãe a quem pede que tome conta da filha, afiançando que vai correr tudo bem. Volta a falar com a filha de quem se despede como se fosse morrer. 
Depois de uma despedida longa, chorosa e ranhosa, lá desliga o telefone.
Volta a marcar um número no telefone e, de rajada, com um tom de voz mais baixo, diz que está livre até segunda-feira. Do outro lado devem ter perguntado pela filha pois ela nomeia a criança e diz que acabou de falar com ela e que a miúda só quer ficar com os avós... 
A mim só me dá vontade de lhe pregar um estalo.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Primeiro beijo

Por estar um dia mesmo bom para beijos...

Recebi o teu bilhete
Para ir ter ao jardim

A tua caixa de segredos
Queres abri-la para mim

E tu não vais fraquejar
Ninguém vai saber de nada
Juro não me vou gabar
A minha boca é sagrada

De estar mesmo atrás de ti
Ver-te da minha carteira
Sei de cor o teu cabelo
Sei o shampoo a que cheira

Já não como já não durmo
E eu caia se te minto
Haverá gente informada
Se é amor isto que eu sinto

Quero o meu primeiro beijo
Não quero ficar impune
E dizer-te cara a cara
Muito mais é o que nos une
Que aquilo que nos separa

Promete lá outro encontro
Foi tão fugaz que nem deu
Para ver como era o fogo
Que a tua boca prometeu

Pensava que a tua língua
Sabia a flor do jasmim
Sabe a chiclete de mentol
E eu gosto dela assim


Rui Veloso

Fim de Verão? Não...

Com o Verão agarrado às pernas desprezo a chuva e saio triunfante de casa, desconhecendo a greve do metro. A meio caminho volto para trás, alertada pelo noticiário, e encaminho-me para a estação dos comboios, que passam rápidos e muito mais vazios do que imaginava.
Na carruagem o calor é sufocante e o meu vestido cor-de-rosa impõe-se no meio de tanta roupa escura, invernosa. Os sapatos, cor-de-rosa também, mesmo no rés-do-chão de tudo quanto é acessório, brilham decadentemente.
É preciso fazer a avenida da Liberdade a pé, mas resolvo assustar-me com a chuva e deixo-me ficar num café do Rossio, como se fosse uma turista. As caras cinzentas de quem tenta chegar aos empregos contrastam com os narizes encarnados dos estrangeiros que, de chinelos, ali abundam.
Com o telemóvel vejo os números do euromilhões, decidida a fazer uma loucura caso tenha sido eleita: saio do café e paro o trânsito a dançar no meio da chuva! Virá a polícia, que me levará para a esquadra, e amanhã os jornais mencionarão uma louca que teve um ataque no centro de Lisboa e que ainda piorou a situação já caótica do tráfego. Verificada a total falta de correspondência, rio sozinha e decido que já chega de pieguice, vamos lá.
A chuva abrandou e faço a avenida encostada a lojas de vidros cristalinos onde nunca entrei, e não faço questão de entrar. Sinto o cabelo encaracolar, o mesmo cabelo que me levou a levantar mais cedo para o esticar com escova e secador, tão Cleópatra que saí de casa.
Qual pato de borracha a navegar na banheira, chego ao trabalho e troco os sapatos cor-de-rosa por uns pretos, rasos, fechados.
Os pés aquecem, o vestido seca, o cabelo insufla, os óculos limpam-se, o estado de espírito não foi afectado!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Luto de Agosto

Ao telefone com um amigo conto-lhe que passei grande parte de Agosto com canadianas, sem poder andar. Ele comenta que, tendo passado uma situação semelhante – muitíssimo mais grave em termos do acidente – aproveitou para ler tudo o que podia durante o período em que esteve na cama.
Fiquei envergonhada pois não fiz o mesmo.  Casei-me com a preguiça de tal forma que passei horas a olhar para a televisão, mais a mudar de canal que a ver fosse o que fosse, e a afastar pensamentos.
A páginas tantas ocorreu-me uma palavra que fez todo o sentido para descrever o meu estado interior: luto.
Senti-me de luto, triste e desamparada, com umas férias que eram tudo menos férias, com o rasto de uma amizade que se desvaneceu, sem dinheiro e a esforçar-me para sorrir a todos os que me visitaram ou me falaram por telefone.
Com as despesas hospitalares, medicamentos e a perspectiva de um corte substancial no ordenado de Setembro, apenas fui à praia na última semana de Agosto, tendo elegido Caxias, por ser a mais próxima de casa, para onde fui do nascer ao pôr-do-sol.
Apropriadamente ou não, li Que importa a fúria do mar, de Ana Margarida de Carvalho e reli A pianista de Elfriede Jelinek, duas gotas de água no oceano.
No último dia de férias, já em período de descontos, pois era Domingo, decido ficar em casa a arrumar roupa e a fazer limpezas. O meu filho levanta-se cedo e opõe-se determinantemente a estes planos, argumentando que o último dia de férias não pode ser passado em casa; eu que me vestisse, pois iríamos juntos à praia e ele oferecia o almoço, num sítio que eu ia adorar.
Assim, conduzimos até à Ericeira onde estava um mar apiscinado, ao contrário do habitual com ondas, conversámos sobre mil assuntos e comemos uma sopa de peixe quase à hora do lanche, da qual ele engoliu três pratos e que prometi tentar reproduzir em casa.
O meu luto coloriu-se nesse dia, o melhor de todo o mês, Agosto redimiu-se. 

Que mais me irá acontecer?

Depois de umas férias azaradas, entro azamboada na primeira semana de trabalho. Tendo o ano 52 semanas, sendo quatro de férias, estou a riscar a quadragésima oitava. Ainda a propósito da maleita que me obrigou a andar de muletas, logo no primeiro dia de trabalho vou ao médico. Diz-me a simpática senhora que, tendo médico de família, tenho que o conservar e para isso há dois requisitos: ir ao médico pelo menos uma vez no ano e ter as vacinas em dia. Já mo tinham dito e já tinha espiolhado a casa e a papelada em busca do respectivo boletim, sem resultados. Assim, foi necessário levar as vacinas novamente. Uma injecçãozita de nada que eventualmente me vai deixar um altinho no braço. Siga!
A injecçãozita de nada revelou-se uma cabra: febre, um inchaço descomunal, dores insuportáveis. Numa semana cumpri a minha quota mínima de visita aos serviços médicos para uma década. Que nunca tinham visto nada assim, e que pusesse gelo, e tomasse paracetamóis e ipobrufenos e etc., que era uma reacção à vacina – olhe, obrigadinha…
A meio da semana realizou-se o jantar de aniversário do A., em homenagem não tanto aos seus 53 anos, mas mais à vitória sobre a doença que o atacou a ele e nos afligiu a todos. Arrastada, lá fui, com uma roupa que não pensei levar pois o braço não me cabia na manga, de inchado que estava. Nem lhe cantei os parabéns, com a febre a azucrinar-me cada célula e regressei a casa onde me mantive a maior parte da semana até isto acalmar, qual tornado que se intensificava dentro de mim.
Assim que levei a vacina perguntei à enfermeira se podia ir à praia, ao que ela respondeu que não havia qualquer contra-indicação. Ora, nem praia nem meia praia, ainda para mais, choveu todo o santo fim-de-semana.
O início da quadragésima sétima semana leva-me a perguntar, que mais me irá acontecer? Com o pensamento positivo que procuro sempre, penso de quanto será o prémio do euromilhões… 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Todos os episódios de A Teoria do Big Bang depois...

... já só os vejo, não os processo. A bem da verdade vejo-os porque o meu sobrinho adora a série e quis ver tudo de fio a pavio.
Eu, qual lontra preguiçosa, olho para a televisão sem ver nada. Quero manter-me forte como uma rocha, mas sinto-me um penhasco que se desfaz com a tareia das ondas. Afasto os pensamentos que me lembram que não mereço estar aqui deitada enquanto Agosto se esvai rindo à gargalhada, mas começo a falhar.
Fui ao médico pedir alta e foi negada. Expliquei que não me posso dar ao luxo de receber metade do ordenado no fim do mês e comprometi-me a continuar deitada usando as férias, sem mencionar as loucuras que tenho feito ao sentar-me no sofá e omitindo algumas idas à casa de banho. Responderam-me que a responsabilidade é do doente mas também do médico que lhe dá baixa; se eu quisesse ir trabalhar, que fosse, se quisesse interromper o período de baixa que o médico tinha prescrito que o fizesse, mas...
Depois das despesas médicas, com um carro avariado, a perspectiva de apenas uma das peças chegar aos duzentos euros e com uma perna às costas - no pior dos sentidos - não sobra nem para meter uma moeda e fazer aparecer um sorriso.
Assim, mesmo sem ser vidente sei que as férias vão ser as melhores de sempre: é Verão, estou fechada em casa e sem um chavo. Se me conseguisse por em pé, saltava de alegria...

terça-feira, 29 de julho de 2014

Em parte certa

A bem da verdade não tenho estado em parte incerta.
Estava de férias há doze horas, tinha mergulhado um bom par de vezes na praia fluvial de Poço Corga, jantado no parque de campismo e estávamos sentados a jogar cartas e fazer brincadeiras quando, para dar um dica ao meu cunhado, a fim de que ele adivinhasse um nome, dei um salto. Assim que os pés tocaram no chão senti uma dor intensa numa perna, de tal forma que vomitei e fiquei encharcada em transpiração. Vários centros de saúde e dois hospitais depois, o diagnóstico confirma-se: ruptura nos ligamentos do gémeo.
Meia elástica, pomada e massagens, anti-inflamatório, repouso total e canadianas. Pelo menos uma semana sem por o pé no chão, talvez duas, e só depois começar a tentar, usando uns sapatos de cunha, eu, que só tenho sapatos rasos.
Foi assim que em vez de seguir para norte, regressei a casa e tenho mais que tempo para me pôr a par das novelas, portuguesas, brasileiras, mexicanas e as mais que vierem.
Já tinha andado de canadianas mas nunca com duas e impossibilitada de por um pé no chão; não é fácil e parece-me que vou cair a cada passo nas viagens que faço para a casa de banho e do quarto para a sala.
O destino, sabendo que não posso sair de casa, entendeu que era boa altura para avariar o carro.
A tristeza é pontuada por ataques de riso, tanto azar chega a ser ridículo, e ainda mais se me lembrar que a meio da noite, entre hospitais, ainda passámos numa operação stop, o meu cunhado a assoprar o balão e a explicar que tínhamos pressa.
O riso chega à gargalhada quando me lembro que, por volta das cinco da manhã, quando regressámos ao parque de campismo, o carro não pode entrar e tive que dormir sentada no banco.
Conclusão, ainda não gozei um dia de férias e já gastei o pouco que tinha entre médicos, medicamentos e mecânico. Como estou de baixa médica, o ordenado do mês que vem vai ser uma gota de água no oceano.
Anda uma pessoa à espera desta altura o ano todo e depois ganha esta lotaria.
Já imagino certas pessoas a pensarem sorridentemente tens o que mereces, mas centro-me a pensar que estou viva e, como sempre, há pessoas em situações muito piores.
Está na minha mão recuperar e vou fazer tudo para que seja à velocidade da luz: umas idas à praia aqui ao lado ninguém me tira; afinal, tenho um mês de férias para gozar.

Em parte incerta, 4


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Frente e verso

"Só te posso escrever coisas insignificantes. Tudo o que te queria dizer já o disse. Faltas-me tu. Neste postal só posso nomear o teu nome. Todas as outras palavras que ficam por dizer não cabem aqui. São tantas. Isto é só um postal. Mais um. Nem água do mar ou a sombra de uma árvore aqui posso deixar. Para ti. Só aqui cabe o teu nome e o teu sorriso. Por isso optei por te enviar um postal e não dizer mais nada. Será só um postal para ti. E talvez ainda consiga espaço para acrescentar um beijo".

terça-feira, 15 de julho de 2014

Festa surpresa

Durante duas semanas mantivemos segredo sobre a festa de aniversário surpresa da minha sobrinha.
Os convites foram facilitados pelo facto de estarem de férias, as amigas não se encontram e o segredo manteve-se; o local, o Monte Macário, um oásis no grande oásis que é o Ribatejo, o lanche, tudo.
Chegámos ao Monte com a desculpa que íamos buscar o bolo para o dia seguinte e a minha irmã, em conversa com a proprietária, também ela cúmplice da brincadeira, nos últimos minutos, deitou tudo a perder... a gaiata ao lado dela a ouvir a conversa e ela a expôr os planos da guerra... dez minutos antes da surpresa... quando deu conta, já a garota sorria percebendo tudo.
Tirando isso, foi uma tarde de belíssima disposição com a miudagem toda dentro de água - eu incluída!
O Monte Macário é local de eleição para... tudo! Despedidas de solteiros, aniversários, dias e noites calmas, contacto com a natureza que inclui canoagem, andar a cavalo entre outras actividades, fruto de parcerias que têm com outras empresas. O melhor de tudo é poder-se partilhar - quem quiser - as refeições com os donos, cheios de histórias para contar e sempre com um sorriso amigável.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A riqueza do Gana

Nunca pensei no Gana como um país rico, mas contra factos não há argumentos!
É um país rico, os seus milionários são todos de idade avançada e estão todos a morrer. Por sorte há um familiar deles que sabe o meu e-mail; como? Não sei e não quero saber, logo terei tempo para isso depois de agarrar a fortuna, ou melhor as fortunas, que estão à minha disposição.
A quantidade de mensagens que recebo é impressionante e atribuo o facto de me escreverem a um simples motivo: sabem que leio o correio todos os dias.
Por este andar não tarda serei rainha do Gana e assim que o for vou criar um novo hino:

Ó Gana, Ó que lindo Gana
Ó Gana lá no Mundial
A 26 desta semana
Vê o que fazes com Portugal

Vê o que fazes com Portugal
Que não sabe o que anda a fazer
Ó Gana, Ó que lindo Gana
Ó Gana, tu vais vencer?

Eu gosto muito de ver
Jogar e marcar golos
Não deve ser  difícil bater
Quem tem tantos torcicolos!

Não m'inveja de quem tem
D'ouro bolas e botas 
Tanto milhão não dá vintém
Apenas uma grande chacota

Ó Gana, Ó que lindo Gana
Ó Gana lá no Mundial
A 26 desta semana
Vê o que fazes com Portugal

terça-feira, 17 de junho de 2014

Preciso de ti

Enviei uma mensagem com a informação titular a um amigo.
Ele respondeu-me a querer saber se eu precisava de ajuda para carregar qualquer coisa. Respondi que não, carregar não, eu própria carrego o que for necessário, apenas preciso de matar saudades e a morte é coisa difícil de adiar.

Hare Krishna

Ontem ao fim do dia a avenida da Liberdade descia em mágoa e sofrimento. Ali desaguava o Parque Eduardo VII, cheio de surpresa, desapontamento, tristeza e frustação. Muitos acompanharam-me no metro, cachecóis ainda ao pescoço, caras encarnadas e verdes, narizes amarelos.
A plataforma cheia estava silenciosa e silenciosa seguiu a carruagem. A excepção eram dois homens indianos que conversavam, sobre o quê não sei, nem alegres nem tristes, aparentemente normais. As vozes e a indecifrável dinâmica línguística ouvia-se em todo o lado, como se fossem os únicos ocupantes da carruagem, eles próprios indiferentes a todos os outros.
Encontrei-lhes uma beleza inexplicável naquela indiferença, uma beleza invejável, como são todas. 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Dia D

Faz hoje 10 anos, a meio da tarde, chovia torrencialmente em Caen.
Sei porque estava lá, com a chuva a misturar-se com as lágrimas que me escorriam pela cara, imparáveis.
Faz hoje dez anos, mesmo quando parava de chover mantinha-se um cinzento que nos acompanhou nas praias de Omaha, Utah, Gold, Sword e Juno.
Uma das viagens mais incríveis que já fiz, foi à Normandia, e ter lá passado o seis de Junho, foi uma inspiração.
No Memorial de Caen conversámos com um antigo soldado canadiano que nos disse saber que aquela era a sua última viagem à Europa, jovem com quase cem anos, até ele se admirava como ali estava. Ofereceu-me um pin com a bandeira do seu país e o momento em que os nossos dedos se tocaram, na troca do simbólico objecto, nunca desapareceu da minha memória, antes pelo contrário, adensa-se. Estava convencido que brevemente iria encontrar todos aqueles cujos nomes figuravam em placas nos cemitérios normandos, todos jovens como ele também fora, e voltaria a ser quando se reencontrassem.
A calma dele e da família que o acompanhava contrastava com a minha choradeira, que não conseguia parar, como se o meu campo de visão fosse uma tela por onde iam desfilando horrores, perpetrados por pessoas, pessoas como eu, afinal de contas, o que me desvairava pela pertença.
Hoje é um dia de comemoração que nunca passa sem que me lembre, que nunca passa sem que tenha vontade de chorar, que nunca passa sem raiva. Como foi possível?
A bem da verdade lembro-me todos os dias, pois tenho na cozinha, colada ao frigorífico, uma placa que trouxe de Omaha Beach, que indicava um caminho organizado naquele dia.
Nem a placa sonha que me indica a mim um caminho, diariamente, muito para além daquele para o qual foi criada.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Desorientação

Desenhados para navegar, para assustar, a mim encantam-me. Os barcos vikings, as lendas vikings, os vikings fascinam-me de uma maneira inexplicável. Sinto-me tatuada e enlevada por uma força mágica que me impele, que me conduz, que me desorienta.

Montmartre

Muro do Amor. Amo-te em 311 línguas. É pouco.

Água viva

Beijo

Sorrisos à solta na montanha

Ver com os olhos de Deus, como dizia a Karen von Blixen 

Camilo

terça-feira, 3 de junho de 2014

Waiting on the Shore... ou outra selfie.

Outra selfie


Irene Lisboa

Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.

Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.

Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!

Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas. Mortas!

E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!

Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...

Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?

Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e
solidão.

Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou. 

Selfie


Pablo Neruda

...
Tú eras también una pequeña hoja
que temblaba en mi pecho.
El viento de la vida allí te puso.
En un principio no te vi: no supe
que ibas andando conmigo,hasta que tus raíces
horadaron mi pecho,
se unieron a los hilos de mi sangre,
hablaron por mi boca,
florecieron conmigo.
Así fue tu presencia inadvertida,
hoja o rama invisible
y se pobló de pronto
mi corazón de frutos y sonidos.
Habitaste la casa
que te esperaba oscura
y encendiste las lámparas entonces.
...

Fim-de-semana de dádiva

Deram-me um fim-de-semana.
O cansaço amainou, vencido pela boa disposição e pela amizade de quem me fez um polvo extraordinário e peixe assado para comer até morrer. Não há silêncio nesta relação, porque estamos sempre a falar as duas. O telefone não compensa e ao vivo e a cores parece que nos lembramos de tanta coisa que precisávamos de um fim-de-semana de seis meses. Isto se falássemos depressa, claro.
Serenei a ansiedade que anda sempre feita lapa às minhas costas e até tive vontade de chorar quando me vim embora.
Passámos em revista livros e filmes, receitas e memórias, histórias e famílias, projectos de passado, de presente e de futuro. Falámos de obcessões, de amores e paixões, das minhas descobertas de investigação, de como tenho alumiado recantos escondidos do meu coração e do medo que tenho de perceber o que me parece cada vez mais óbvio.

Grandes sonhos

Sonho com montanhas noites seguidas. Montanhas com neve, que dispenso, mas que pareço adorar no sonho; montanhas verdes, que escalo com o coração a rebentar; montanhas tão altas que do pico não se vê o chão. Mas sinto-me segura, sempre, porque sonho que um gigante sorridente me conduz.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Al Berto

visita-me enquanto não envelheço 
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado

tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores

ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos

antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro

perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água

com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te 

Não consigo tirar isto da cabeça

Não te consigo tirar da cabeça.

Uma vez que seja

Tu que navegas ao sabor do vento 
Sem outra rota que o que se deseja 
Tu que tens por mapa o firmamento 
Vem descobrir-me uma vez que seja 
E diz-me das viagens que eu não faço 
Dos mundos cintilantes que antevejo 
E traz-me mares de mel no teu abraço 
Poeira de ouro velho no teu beijo 
De ti não espero amarras nem promessas 
É livre que te quero neste cais 
Até que um dia em mim não amanheças 
E te faças ao mar uma vez mais 
E mesmo nesta hora de perder-te 
Sabendo que a magia se desfez 
Terá valido a pena conhecer-te 
E deslumbrar-me ao menos uma vez!
Letra de Ana Vidal

E eu a pagar...

Há dias na televisão dizia uma reclusa:
Está-se bem de cana... come-se e bebe-se... é caminha, é banhinho, é tudo, aqui está-se muito bem.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Estados de espírito e de corpo

Música na rua deixa-me carente.

No Polo Sul

Onde há uma Biblioteca nunca há frio.

Biblioteca Real da Dinamarca


A ressaca

Começo hoje a fazer uma formação que se prolongará até ao final de Junho. Sendo ao fim do dia, dois dias por semana, juntando-lhe uma ausência do próximo fim de semana, que será prolongado - Alô Tavira, tou chegando! - mais uns feriados e uns dias de férias e já me sinto a ressacar pela falta das minhas investigações académicas.
Como se fosse o vento que me envolvesse, uma ventania daquelas danadas que correm em todas as direcções, só ouço dizer Mas tu és doida! Quando não dizem doida, dizem maluca, mas são unânimes em apontarem-me um hospício para relaxar.
Sinto-me bem, plena e satisfeita. Leio como nunca li, textos vários, ensaios, teses, não livros propriamente ditos, e desta forma atraso possíveis doenças mentais, não deixando a cabeça por telenovelas alheias.
Adorava que os dias se prolongassem e que eu conseguisse dormir ainda menos. Digo que os arquivos deviam estar abertos fora de horas, de noite, como vemos nos filmes que há sempre bibliotecas abertas lá para as Américas a qualquer hora, em silêncio com candeeiros acesos por todo o lado. As pessoas que trabalham nos arquivos olham-me de lado e filiam-se em sindicatos temendo que a minha vontade seja levada à prática.
Ontem à noite organizei uma pilha de papelada para ler no comboio para o Algarve. Ao telefone com a minha amiga conto-lhe o que estou a fazer e ela repreende-me, lembrando-me que a vou visitar e que é suposto ter tempo para ela. Concedo e ponho os papéis de lado, procurando um livro para ler na viagem. Depois lembro-me da documentação do curso, em francês ainda por cima, e embora estivesse sozinha em casa, foi sorrateiramente que meti os papéis num saco, prontos para lire dans le train.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Fúria do Açúcar

Contra tudo e contra todos que dizem já sentir saudades do Inverno - está tudo doido! - e sabendo que esgatanho a letra, aqui fica a essência, o que interessa, o que conta, o que vale. Até passo bem sem o patrocínio e pode ser uma praia do norte, mais fria, desde que seja praia e Verão.

Eu gosto é do Verão
De passearmos de prancha na mão.
Saltarmos e rirmos na praia
De nadar e apanhar um escaldão.
E ao fim do dia, bem abraçados
A ver o pôr-do-Sol
Patrocinados por uma bebida qualquer. 

A farmácia? É já ali, a 300 quilómetros

Um princípio de AVC levou-me a alta velocidade a meio da noite do meio da semana passada ao Alentejo.
O stress do meu tio levou-o a marcar o meu número por engano, querendo falar para outra sobrinha, distante duas ruas, e não para mim, distante trezentos quilómetros. Ele, com graves problemas cardíacos, e que sempre se viu tratado e apoiado pela mulher, agora via-a a ela em estado crítico. A baralhação dele resultou em diversos telefonemas para o 112, para a sobrinha próxima geograficamente e para uma das filhas, com cuidado para não alertar a outra, ausente no estrangeiro e sem necessidade de preocupar, e numa corrida debaixo de chuva em direcção ao Alentejo, quando eram horas de estarmos debaixo dos lençóis.
Detalhes à parte, no dia seguinte fomos à farmácia aviar os remédios e, qual não é o meu espanto, quando me dizem, a mim motorista, que vá a Espanha, já agora que fizesse o favor e aproveitasse para comprar mais uns medicamentos que, com o dinheiro que aqui se gasta num, lá compram-se dois.
Para além do avio na farmácia das pessoas, fomos também comprar medicamentos para os cães, esses, três vezes mais baratos que em Portugal.
Na farmácia tínhamos cinco pessoas à nossa frente, só uma era espanhola, os outros eram tugas como nós; enquanto esperávamos a minha prima foi-me indicando as prateleiras e apontando os preços dos medicamentos de venda livre, que me iam esbugalhando os olhos, tal era a diferença.
É claro que não vale a pena ir lá de propósito comprar uma caixa de aspirinas, mas vale bem a pena encomendar ou esperar para se lá ir. 

Cansaço auditivo

Se eu fosse de criar movimentos criava um das pessoas que mudam de estação de rádio por causa de anúncios estúpidos.
O bocado da manhã em que conduzo ouço, normalmente, a Rádio Comercial, sendo fã do Pedro, do Nuno e do Ricardo. Não antipatizando, de modo algum, com a Vanda nem com o Vasco, ainda assim, a sua gestão de carreiras dá-nos um banho de voz que enjoa.
Como a presença na rádio é feita com as vozes, e ambos são a voz de inúmeros anúncios, acabam por cansar. Se os anúncios forem parvos, então... mudo de estação.
Acontece agora com o anúncio da Top Atlântico, o Top dos Pop, cujas aliterações são excessivas, monótonas e chatas.
As campanhas publicitárias a que dá voz são várias, algumas em parceria com a Vanda, o que desgasta a pessoa e dilui o interesse em os ouvir noutras situações; às tantas não sabemos quem ouvimos, se é a Vanda radialista ou a senhora que comprou um fogão a lenha, se é o Vasco profissional de rádio, ou o Vasco amante de óculos de sol.
Bem sei que os euros são tentadores, e como!, mas lembrem-se das jazidas de petróleo... esgotam.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

terça-feira, 20 de maio de 2014

O português é uma língua muito traiçoeira

As empresas de publicidade esgatanham-se para inovar, mostrar uma criatividade nunca vista e ser o mais original possível. As campanhas da Bombril, de longevidade invejável, as da Sagres, iguais mas tão diferentes, são exemplos brilhantes que não esquecemos.
O novo operador de telemóveis e mais quinquilharia da qual não prescindimos deve ter contratado uma empresa da especialidade para o lançamento da marca. Porém, se o lançamento tivesse sido em Cabo Canaveral talvez tivesse mais eficácia.
Pergunto-me quanto tempo andaram às voltas para encontrar um nome. Um nome que se quer forte, sonante, único, que se distinga, que se interiorize, que nos fique na memória. Pergunto-me quem o validou... e aposto num arrependimento de proporções gigantescas.
O nome escolhido escreve-se de uma forma e lê-se de outra... e era a forma de escrita que se pretendia e não a da leitura. Nos, que se verbaliza nús, está cheio de boas intenções, até se vislumbra o abraço que se pretendia induzir, apertado, pois claro, a união, quiça a fraternidade. Mas não, não funciona assim.
Para além disso copiaram os pauzinhos da concorrência, igualitos, e pintaram-nos com as cores do arco-íris, esbatidas, em cima das quais puseram uma tigreza, cujas manchas mancham a leitura visual, criando uma nódoa. O Robocop e o cão voador até não funcionam mal, mas uma campanha destas dimensões não se pode ficar por aqui: provocar franzires de sobrancelhas pela falta de nexo. 

terça-feira, 13 de maio de 2014

Quem diria...

Volta e meia tiro uma garrafa de água de uma máquina automática instalada numa certa estação de metro. Ontem ao fim do dia, meti a moeda e nada, nem garrafa nem moeda.
Sem esperança alguma, mas não desistindo, liguei para o número inscrito num autocolante, sem nome, morada ou informação de qualquer espécie.
Sem estranheza fui atendida por um gravador, agora não podemos atender, e blá, blá, blá, deixe o seu contacto que lhe falaremos mais tarde. Deve ser, pensei eu incrédula mas, ainda assim, sem desistir, deixei nome e telefone.
Acabam de me ligar identificando-se e perguntando em que me podem ser úteis. Expliquei a situação e a senhora pede-me nome e morada para me devolverem o dinheiro. Digo-lhe que sei que gastarão muito mais que o valor da garrafa, e que a minha ida aos Correios levantar tão chorudo cheque me será igualmente incómoda, por isso, desta vez ficamos assim, e que não se esqueçam de mandar arranjar a máquina.
A senhora agradeceu, eu agradeci, será que vamos viver felizes para sempre? Isso não sei, mas sabe muito bem ver que as coisas funcionam.

Receita para abrandar, precisa-se. A sério?

De casa à estação de metro passo por oito semáforos. Eu que não gosto de jogos de computador nem de telemóvel, tenho aqui o meu jogo diário, matinal, verdadeiro.
O primeiro ainda não está verde, passa logo a  encarnado e, nesse fugaz instante, quem vira à direita como eu, ainda tem que dar passagem aos peões.
O segundo fica em frente a uma corporação de bombeiros que, volta a meia, face a qualquer urgência, fica encarnado uma eternidade, programada como medida de segurança para que as ambulâncias e demais vaituras possam sair sem problemas. Por isso, todos o passam mesmo em amarelo, nunca se sabe quando vai abrir...
O terceiro, o quarto e o quinto distam cinquenta metros uns dos outros e os carros parecem carrinhos de choque a andarem uns centímetros e a travarem uns em cima dos outros. A partir daqui passa a haver duas faixas mas os dois semáforos seguintes são controlados pelos peões, pelo que podem estar encarnados alternadamente ou em simultâneo e o desafio é passar os dois rapidamente.
O último, na reta final e já só com uma faixa novamente é o mais equilibrado de todos em termos de tempo de abertura.
Hoje, pela primeira vez, o primeiro estava verde e eu passei imediatamente, no segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e no sétimo aconteceu a mesma coisa. Parecia que alguém lhes mudava a cor à minha aproximação. A bem da verdade, o último também estava verde, mas abrandei um pouco, deixei cair o encarnado e fiquei ali a pensar como o início desta manhã se assemelha ao meu estado de espírito actual: verde, ininterrupto, rápido, fluído e, sem sombra de dúvida, com necessidade de abrandamento.
Os pedidos neste sentido vêm de todos os lados, temerosos que me aconteça alguma coisa.
Mas como se abranda numa fase em que tudo corre tão bem? Porque se há-de abrandar se aquilo que se devia perseguir era esta sensação de bem-estar e de plenitude?
Falta-te um namorado, ai falta, falta, dizem as vozes à minha volta. Será que falta? Seria eu mais feliz e preenchida do que me sinto agora, se tivesse alguém ao meu lado?
Só se fosse alguém com quem eu pudesse estar permanentemente a falar e a discutir estas minhas actuais... obsessões... vá lá, dou de barato que são obsessões, mas que me fazem feliz, isso fazem e muito. 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O cão e o corvo

Alexandre O'Neill deu-nos um Cão. É em forma de poema, mas é um Cão, o chamado melhor amigo do homem, às vezes tão amigo que se confunde com ele.
Um dos trabalhos de casa das férias do meu sobrinho mais velho é refazer o poema, com outro animal. 
Quinta-feira de Páscoa não trabalho de tarde e, à porta do Arquivo Histórico Militar onde esperamos que batam as duas da tarde para entrar, dou a minha contribuição para o poema, escolhendo o animal: o Corvo. 
O resto é dele. Rói-te O'Neill.

Corvo negro, Corvo preto
Corvo escuro como breu
Planador, andarilho
Corvo torto, Corvo morto,
Corvo de penas prateadas
Corvo veloz como o vento
De bico sempre presente
Corvo necrófago, Corvo espião
Corvo capitalista, mentiroso, aproveitador
A desfazer-se num grito
A refazer-se num piu.
Corvo ave, Corvo aqui
Corvo além e sempre Corvo.
Corvo sinal, símbolo de Lisboa
Corvo a debicar a presa
Presente em cada esquina
Corvo indiferente a cada dia.
Corvo elegante, o da Sofia.
Corvo de loiça de crá-crá apagado.
Corvo na mira da escorva
Vítima do caçador
Corvo, vigilante da noite.
Corvo nocturno, Corvo soturno
Corvo discreto, Corvo ausente, Corvo sombrio
Corvo de olhos que afectam
Corvo-feiticeiro
Sai depressa, ó Corvo, deste paradeiro.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Guardadores de papel

Pediram-me que reorganizasse os arquivos da instituição onde trabalho. Respirei fundo e entreguei-me à tarefa, mais uma no meio de tantas outras.
As posturas sobre o assunto vão do oito ao oitenta, com pessoas que percebem a importância dos arquivos e outros que estão prontos a eliminar tudo o que não foi produzido por si, passando por outros que guardam tudo, tudo, tudo.
Com os primeiros lida-se bem, com os últimos não há perigo, mas com quem assina a sua falta de profissionalismo com a indiferença sobre a documentação afecta ao seu serviço, é um problema.
Estas pessoas não têm noção do conjunto, da empresa como entidade que se prolonga no tempo, que vem do passado e que se quer projectar no futuro, não sabem o que é pertencer.
Por ser lado, os guardadores de papéis sentem-se seguros rodeados por dossiers e papelada. Como é que uma coisa tão frágil nos pode dar tanta segurança? E se os computadores falham? Perguntam-me com frequência, demonstrando uma falta de confiança nas máquinas que, em simultâneo e paradoxalmente, nos dominam e controlam.
Desde os tempos antigos, não da Grécia mas de quando eu trabalhava no arquivo em Almada, que vejo pastas identificadas com Diversos ou Vários e quando inquiro sobre o seu conteúdo a resposta é sempre a mesma: Não sei bem... Aberta a pastinha nascem papéis de todas as nações e o destino em noventa e nove por cento dos casos, é lixo, acompanhado da expressão, Não sei para que guardei isto

Que confusão!

Entro em casa e tenho um burro e uma vaca no meio da sala.
As flores que costumam estar à entrada, decoram o alto de um móvel e um par de sapatos e meio, de Verão, estão alinhados a meio da minha cama.
Há uma toalha pendurada na maçaneta da porta da cozinha e um pano da loiça descansa em cima do braço do sofá.
Num primeiro instante, nem largo a mala nem o casaco, algo no meu inconsciente me avisa que talvez o decorador ainda esteja dentro de casa. Depois lembro-me que os meus pais estiveram cá com o meu sobrinho mais novo.
O gaiato descobriu as peças do presépio e deixou-as à solta, descobriu o saco com sapatos e decidiu dar-lhes uso mesmo que o tempo ainda não convide e um telefonema de última hora avisou-os de chegada de visitas a sua casa, de modo que abalaram e deixaram tudo às três pancadas.
Ajudada por um gin ao fim da tarde, em homenagem à filha de uma amiga que conseguiu um super trabalho pago condignamente, fartei-me de rir ao telefone enquanto a minha mãe pedia desculpa pela desordem com que sairam.
Certifiquei-me que ele levara os animais da quinta em chocolate que eu lhe deixara na cozinha e acabei a noite a arrumar, mas bem disposta.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Horários de expediente

É horrível os horários de expediente serem todos iguais! A minha biblioteca, e outras, está aberta ao almoço e parte da noite, com horários adequados ao público utilizador. Porque não fazem o mesmo os serviços públicos?
Ando numa roda viva a tentar consultar arquivos que fecham duas horas no período do almoço, encerram às cinco da tarde e abrem às nove e meia, dez e, o horário mais estranho, às nove e quarenta da manhã.
Pior ainda, não tarda mudam para os horários de Verão: os raros que abrem ao sábado de manhã, encerram nesses dias, o horário de fecho ao fim do dia, antecipa-se.
Imagino que sejam todos pessoas com grande actividade familiar, muito calmas, sem stress e imenso tempo livre. Que bom para elas e que mau para mim, e não só.
Os arquivos são só para ociosos? Quem trabalha não pode concomitantemente estudar e pesquisar?
Não.

segunda-feira, 31 de março de 2014

O silêncio é de ouro

Um aluno procura-me para que o ajude a responder a uma proposta de emprego.
Explica-me que enviou o currículo, responderam positivamente e pediram-lhe mais uns detalhes. Está nervoso e ansioso e eu faço o melhor que posso que sei, como se fosse meu filho.
Faço muitas perguntas para juntos contruirmos uma frase que dê resposta ao que lhe pedem, de forma autêntica e real, mas que seja de leitura atractiva.
Ele agradece penhoradamente e eu sugiro enviar as respostas para o mail dele, para que depois as componha melhor ainda e as enderece à empresa. Quando lhe pergunto a morada electrónica ele dá-me uma mão cheia de vogais e consoantes sem talho nem maravalho.
Explico-lhe que deve arranjar outra morada, mais oficial, mais credível, uma morada que contenha, por exemplo, o seu nome e apelido, e que passará a usar para estas situações.
Quando chega a vez dele me explicar a mim que aquele é o seu apelido, engulo em seco e percebo que devia ter estado calada.
E viva a diferença!

Estado de espírito

O meu filho dormiu fora e levou o carro.
Levanto-me com o espírito de quem tem de ir a pé até ao Metro, num dia de chuva, muito cinzento. Rapidamente ultrapasso a má disposição, com a lembrança do que tenho para fazer.
Ilumina-se-me o sorriso de tal forma que percorro o caminho sem apanhar água, como se fosse um chapéu-de-chuva.
Porém, com a lembrança da temperatura da semana passada enfiei uma camisola de manga comprida que me fez suar as estopinhas; o andar à pressa e a temperatura do Metro não ajudaram, mas tive que esperar pelas nove horas, já em Lisboa, para me enfiar na loja chinesa mais próxima.
Sai de lá florida e de manga curta, tudo em desacordo com o tempo mas em acordo total com o meu estado de espírito primaveril, que ninguém me consegue tirar.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Oh! Não!

Estou furiosa, mal disposta e irritada: acabei de ligar o ar condicionado... no quente.
Até o tempo está do contra. Já fui à praia, com banho e tudo, e agora volta a chuva e o frio.
Sexta-feira apanhei uma molha ao fim do dia e hoje não trouxe almoço o que quer dizer que vou ter que sair para comer. E apanhar com a chuva. Mesmo que não a apanhe em cima do corpo, sei que ela está lá fora, que se impõe, que existe, que tristeza.
A má disposição dissolve-se um pouco quando vou ver a caixa de correio, abandonada há muitos dias, por força do excesso de trabalho. Está lá um mimo do Dia da Mulher, mensagem linda que agradeço. Ainda assim, em dois minutos fico com vontade de bater em alguém novamente.
Desconheço as previsões do estado do tempo, mas tenho a certeza que o acompanharei tranquila ou irritada conforme faça sol ou chuva. 

quinta-feira, 20 de março de 2014

Torre do Tombo

Todos os dias corro para a Torre do Tombo em cima das seis da tarde. Os meus homens levam-me a fazer pesquisas em papéis que o tempo conserva como se tivessem sido escritos ontem.
Os dedos secam-me de tanto passar a folha e procurar aquele nome com que sonho. Ainda não o encontrei mas mantenho a certeza, mais que a esperança, que o vou encontrar.
Isto passa-se depois de um dia de trabalho intenso, e antes de ir para casa agarrar-me ao computador e continuar a pesquisar.
Ando numa fase intensa e prolifera de trabalho; ontem enviei um artigo para uma revista científica e já comecei a escrever outro. Na semana passada expliquei à médica que o tempo morto me incomoda: o metro que não vem, a máquina de café que demora cerca de vinte segundos a terminar a preparação de um copo, sem açúcar, o tempo que as pessoas demoram a atender o telefone. Não sei como, vou falando com ela e vai-me sacando informação, sobre os meus hábitos, o trabalho intenso, a inexistência de namorados, a entrega total ao trabalho que se mistura com o estudo; explico-lhe que a minha vocação é ser estudante, se eu pudesse não faria outra coisa. Ela diz que isto é uma forma de depressão e eu penso que as escolas médicas dão o diploma a qualquer um.
Tomara muita gente conseguir ver televisão, falar ao telefone e ir fazendo pesquisas na net ao mesmo tempo, como eu. Ela olha-me muito séria e eu já não conto que tenho um livro à ilharga para onde vou olhando.
Diz-me que tenho que parar, que abrandar. Explico que o único lugar onde estou sem a sensação de desperdiçar tempo, é na praia. Deito-me e fico ali, só isso. Mas isto de estiver de barriga para cima, pois a barriga para baixo obriga a um livro, uma revista, quanto mais não seja à leitura da informação que vem no frasco do protector solar.
Depois de uns minutos de conversa, à cautela, retiro cigarros ao número que lhe dou quando me pergunta quantos fumo, assim como retiro horas ao dia de trabalho. Se o que faço me deixa satisfeita e acabo o dia em cima da meia-noite, porque raio hei-de terminar antes?
Digo-lhe que fujo do senhor alemão como o diabo foge da cruz e que a única terapêutica é exercitar o cérebro. Falo-lhe da minha mãe, do meu avô, de outras pessoas que verdadeiramente me assustam. Explico-llhe que não tenho medo de nada, à excepção disto. Ela responde que para além do alemão, há outros senhores que podem tomar conta de nós se não tivermos cuidado.
Mau! Penso eu, então não devia ter um namorado?  Em que ficamos? Se começo a ter medo de todos os senhores que me podem rodear, então fico sozinha para sempre... o que não é má ideia, diga-se de passagem...
Concluo que não quero que me tirem a sensação de bem-estar que sinto, que até posso morrer amanhã, mas estarei plena de trabalho feito, bem feito, de procura, de não acomodação, de actividade, de vida. Nã... morrer, eu? Não é tão cedo.